sábado, 25 de julho de 2015

A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA E O GOVERNO PROVISÓRIO DE DEODORO DA FONSECA (1889-1991)

  A Proclamação da República em 1889 e a libertação dos escravos um ano antes representaram o surgimento de uma alternativa histórica excepcional para o Brasil: a possibilidade de criar um regime baseado na soberania popular, no exercício pleno da cidadania, que chegaria aos setores da população marginalizados na sociedade ou simplesmente excluídos do jogo político até então.
  Em 1884, foram eleitos para a Câmara dos Deputados, apenas três republicanos, entre eles os futuros presidentes da República Prudente de Morais e Campos Sales. Na legislatura seguinte, apenas um conseguiu ser eleito. Na última eleição parlamentar realizada no Império do Brasil, em 31 de agosto de 1889, o partido só elegeu dois deputados.
  Percebendo que não conseguiriam realizar seu projeto político pelo voto, os republicanos optaram por concretizar suas ideias através de um golpe militar. Para tanto, procuraram capitalizar o descontentamento crescente das classes armadas com o governo civil do Império. Precisavam para isso de um líder militar que tivesse prestígio na tropa, para levarem a efeito seus planos.
"Alegoria da República" - quadro de Manuel Lopes Rodrigues
  Foi assim que os republicanos passaram a aproximar-se de Deodoro da Fonseca (amigo do Imperador), procurando seu apoio para um golpe de força contra o governo imperial de Dom Pedro II.
  No dia 14 de novembro de 1889, os republicanos fizeram correr o boato de que o governo do primeiro-ministro liberal Visconde de Ouro Preto havia expedido ordem de prisão contra o marechal Deodoro e o líder dos oficiais republicanos, o tenente-coronel Benjamin Constant.
  A falsa notícia de que sua prisão havia sido decretada foi o argumento decisivo que convenceu Deodoro a romper com o governo imperial. Pela manhã de 15 de novembro de 1889, o marechal Deodoro reuniu algumas tropas e as pôs em marcha para o centro do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, dirigindo ao Campo da Aclamação, atual Praça da República. Penetrando no Quartel-General do Exército, Deodoro decretou a demissão do Ministério Ouro Preto - providência esta de pouco valia, visto que os próprios ministros, cientes dos últimos acontecimentos, já haviam pedido a demissão ao Imperador. Naquele momento, o objetivo de Deodoro não era proclamar a República, mas sim trocar o Ministério.
Afonso Celso de Assis Figueiredo - Visconde de Ouro Preto (1836-1912)
  Enquanto isso, Dom Pedro II, que se encontrava em Petrópolis - RJ, veio para o Rio de Janeiro para reunir com o Conselho de Estado para organizar um novo Ministério.
  Os republicanos, para aproveitar os acontecimentos e convencer Deodoro a romper de vez os laços com a monarquia, valeram-se de uma notícia verdadeira de que o novo primeiro-ministro escolhido pelo Imperador para assumir o lugar do Visconde de Ouro Preto seria Gaspar Silveira Martins, correligionário liberal do Visconde e político gaúcho com quem o Marechal era inimigo. Assim, Deodoro foi convencido a derrubar o regime.
  Pelas três horas do dia 15 de novembro de 1889, reunidos alguns republicanos e vereadores na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, foi lavrada uma ata declarando solenemente proclamada a República no Brasil, que foi levada ao Marechal Deodoro. À noite desse mesmo dia, o Imperador encarregou o conselheiro José Antônio Saraiva para presidir o novo ministério. O novo Presidente do Conselho de Ministros (do Partido Conservador - o mesmo de Deodoro) dirigiu-se por escrito ao Marechal, comunicando-lhe a decisão do Imperador, ao que respondeu Deodoro que já havia acordado em assinar os primeiros atos que estabeleciam o regime republicano e federativo. Nessa mesma noite foi constituído o Governo Provisório da República recém-proclamada, tendo como chefe o marechal Deodoro da Fonseca, com poderes ditatoriais. O ministério foi composto por republicanos históricos, como Campos Sales, Benjamin Constant e Quintino Bocaiuva, e de liberais da Monarquia que aderiram de primeira hora ao novo regime, como Rui Barbosa e Floriano Peixoto.
Homenagem da Revista Ilustrada à proclamação da república brasileira
  Na prática, a proclamação da república foi, em grande parte, resultado da aliança dos cafeicultores paulistas com o exército contra o inimigo comum - o Império -, embora as duas forças tivessem projetos políticos republicanos distintos.
  Nos primeiros dias após o 15 de novembro de 1889 - data da Proclamação da República - houve consenso de que os militares deveriam exercer o poder político durante o delicado período de gestação e instalação das instituições republicanas. A república recém-nascida era frágil, e temia-se um contragolpe monárquico. Por isso, era necessário um governo forte, sob comando militar, para proteger o regime em seus primeiros anos.
  Esse período inicial da história republicana do Brasil (1889-1994) ficou conhecido como República da Espada, por ser comandado pelos governos militares dos marechais Deodoro da Fonseca (1889-1891) e Floriano Peixoto (1891-1894).
  Vencida a primeira etapa de instauração do regime republicano, o consenso entre cafeicultores e militares sobre a permanência do exército no poder rompeu-se, pois o grupo paulista não estava disposto a aceitar por muito tempo a hegemonia político militar.
Proclamação da República - quadro de Benedito Calixto, de 1893
  Ocorreram três projetos de república para o Brasil de 1889: um liberal, um jacobino e um positivista.
  • Projeto republicano liberal - defendido principalmente pelos cafeicultores paulistas, pregava a descentralização política e, consequentemente, a autonomia dos estados (como em breve seriam chamadas as províncias) e a formação de uma república federativa. Inspirado pelo sistema norte-americano, enfatizava a necessidade de uma administração cujas funções fossem: garantir as liberdades individuais (direitos de locomoção, de propriedade, de livre competição econômica, a separação dos três poderes (sendo o Legislativo bicameral, isto é, dividido em câmaras alta - Senado - e baixa - Câmara dos Deputados), a instauração de eleições e a separação entre Igreja e Estado.
Georges Jacques Danton (1759-1794)
  •  Projeto republicano jacobino - defendido por setores da população urbana, que incluíam baixa classe média (pequenos comerciantes, funcionários) e setores intelectualizados (jornalistas e profissionais liberais, como médicos, advogados e professores). Tomando como inspiração a Primeira República Francesa (1792-1794), de Danton e Robespierre, defendia a liberdade pública (e não apenas privada) de reunião e discussão. Reivindicava que o destino do país fosse decidido coletivamente e sustentava que a participação popular na administração pública era uma necessidade, requisito de um regime baseado na liberdade e na vontade geral. Ao mesmo tempo, o grupo era bastante sensível a medidas que tivessem algum alcance social.
Maximilien de Robespierre (1758-1794)
  •  Projeto republicano positivista - baseado nas ideias do filósofo francês Auguste Comte, esse projeto tinha ampla aceitação no exército. Visava à promoção do progresso, sempre com um espírito ordeiro, não revolucionário, e forte atuação do Estado. Segundo os positivistas, cabia ao Estado, por meio da administração científica e racional de seus líderes, zelar pela ordem, proteger os cidadãos e garantir seus direitos. O estabelecimento desses direitos não deveria advir da livre manifestação dos indivíduos; caberia ao Estado promover o progresso. A ideia de um governo forte, centralizado, uma verdadeira "ditadura republicana", sustentava o ideário positivista.
Auguste Conte (1798-1857)
  Uma das características principais do novo regime foi a exclusão do povo mais pobre.
O GOVERNO PROVISÓRIO DE DEODORO DA FONSECA
  O governo de Deodoro da Fonseca foi marcado pelo esforço da implantação de um regime de Estado Republicano, mas foi caracterizado por grande instabilidade política e econômica devido às tentativas de centralização do poder, da movimentação de opositores da queda do Império, além da insatisfação de outros setores das Forças Armadas com a situação política republicana. A crise teve seu ápice com o fechamento do Congresso Nacional, o que mais tarde levou à renúncia de Deodoro.
  O governo provisório da recém-instalada república tinha por objetivo resolver os primeiros e mais urgentes problemas criados pela proclamação e dirigir o país até que pelo menos fosse redigida uma nova Constituição. O próprio apoio dos cafeicultores devia-se a esse caráter provisório, já que o marechal Deodoro da Fonseca, desde o início havia se cercado de oficiais positivistas, como Benjamin Constant, nomeado ministro da Guerra.
  Alguns problemas iniciais que afetaram o novo regime foram a falta de apoio da marinha, ainda fortemente monarquista, e o excessivo autoritarismo de Deodoro. Por sua experiência no exército, que incluía a Guerra do Paraguai, e afeito à disciplina rígida, estava acostumado a dar ordens e a ser obedecido. Esbarrava-se, assim, em vários interesses civis, dificultando articulações políticas e inviabilizando consensos com os cafeicultores.
  Mesmo assim, cumprindo a função provisória, o governo Deodoro implantou as primeiras e mais urgentes medidas, destacando-se: extinção das instituições imperiais; convocação de eleições para a Assembleia Constituinte; banimento da família imperial; separação entre Igreja e Estado; a "grande naturalização", projeto que oferecia a cidadania brasileira a todos os estrangeiros então residentes no Brasil.
Imigrantes italianos no final do século XIX
  Outra importante medida do período foi a nomeação do intelectual baiano Rui Barbosa para o Ministério da Fazenda. Apesar de ser considerado um livre-pensador, Rui Barbosa defendia algumas ideias simpáticas ao exército, em geral, e aos positivistas, em particular. Sua atuação marcou o primeiro momento em que o governo brasileiro esboçou uma política industrialista.   Os dois maiores obstáculos  ao desenvolvimento industrial era a falta de recursos e a grande demanda por moeda, associados à expansão do trabalho assalariado após a libertação dos escravos e à entrada maciça de imigrantes no país. Rui Barbosa determinou a emissão de papel-moeda, concedendo a alguns bancos privados esse direito, e criou leis para facilitar o estabelecimento de sociedades anônimas. Criou ainda um novo regime de taxas alfandegárias para encarecer os produtos estrangeiros e favorecer o surgimento de indústrias no Brasil.
  O resultado da emissão de grandes somas de papel-moeda sem garantia para o valor do dinheiro emitido pelo governo foi um violento processo inflacionário conhecido como Crise do Encilhamento, também caracterizado por uma febre especulativa, falência de indústrias recém-surgidas e desemprego.
Rui Barbosa (1849-1923)
  Tentando manter-se no poder, Deodoro da Fonseca e o grupo positivista retardaram ao máximo a instalação de uma Assembleia Constituinte. As eleições só foram convocadas em junho de 1890, após intensas pressões do grupo paulista, e os deputados constituintes eleitos foram empossados em novembro de 1890. Após três meses de debates sobre um projeto já preparado pelo grupo de Rui Barbosa, promulgou-se a nova Constituição.
  A nova Constituição foi aprovada e no dia 25 de fevereiro de 1891, Deodoro é eleito presidente do Brasil pelo colégio eleitoral, formado por senadores e deputados federais. Ao mesmo tempo, o Marechal Floriano Peixoto foi eleito vice-presidente da república, terminando assim o Governo Provisório.
Deodoro da Fonseca (1827-1892)

  As principais características da Constituição de 1891 foram as seguintes: 
  • O Brasil passava a ser uma república federativa, com um governo central e 20 estados membros que desfrutavam de grande autonomia, inclusive jurídica, administrativa e fiscal.
  • Procedia-se à divisão dos três poderes, independentes entre si, com Legislativo bicameral, formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.
  • Estabelecia-se o voto universal masculino, não secreto, que excluía do processo eleitoral mulheres, analfabetos, mendigos, menores de 21 anos, padres e soldados, e as eleições passaram a ser pelo voto direto.
  • Abolição das instituições monárquicas.
  • Os senadores deixaram de ter o cargo vitalício.
  • Os mandatos tinham duração de quatro anos para presidente, nove anos para senadores e três anos para deputados federais, e não haveria reeleição de Presidente e vice para o mandato imediatamente seguinte, não havendo impedimentos para posterior a esse.
  • A Igreja Católica foi desmembrada do Estado, deixando de ser a religião oficial do Brasil.
Mapa do Brasil com a Constituição de 1891
  Apesar de ampliar o acesso à chefia do Executivo, antes restrito a membros da família real, e de mudar o critério da seleção de eleitores, o sistema político continuava tão excludente quanto era sob o regime imperial.
  Na Constituição de 1891 ficava determinado também que o próximo presidente da República após a promulgação da Constituição, excepcionalmente, seria eleito pela Assembleia Constituinte. Em março de 1891, Deodoro passou a ser o primeiro presidente constitucional da República brasileira.
  O marechal Deodoro da Fonseca venceu a eleição com uma reduzida vantagem sobre Prudente de Morais (129 votos contra 97); o candidato a vice da oposição, Floriano Peixoto, teve uma votação superior à do próprio candidato a presidente. Foram escolhidos presidente e vice de chapas diferentes, conforme as normas de então.
Floriano Peixoto (1839-1895)
FONTE: Vicentino, Cláudio
História geral e do Brasil / Cláudio Vicentino, Gianpaolo Dorigo. - 2. ed. - São Paulo: Scipione, 2013

Um comentário:

Unknown disse...



Valeu,guerreiro,pude viajar no tempo,num período decisivo para a construção da República Federativa do Brasil! Excelente texto! Nota 10!

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