sexta-feira, 19 de julho de 2013

A ILHA DA TRINDADE E O ARQUIPÉLAGO DE MARTIM VAZ

  Trindade e Martim Vaz é um arquipélago brasileiro localizado no Oceano Atlântico, sendo um território pertencente ao município de Vitória (ES), localizada a 1.200 quilômetros da capital capixaba. De todas as ilhas do arquipélago, apenas a Ilha da Trindade é habitada, sendo que a única localidade existente na ilha é o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT), que é uma guarnição militar mantida pela Marinha do Brasil. O POIT, é o local habitado mais remoto do Brasil, estando situado a 1.025 km  de distância da localidade mais próxima, que é a guarnição mantida pela Marinha na Ilha de Santa Bárbara, no Arquipélago dos Abrolhos. As Ilhas de Martim Vaz, são conhecidas por serem o ponto extremo leste de todo o território brasileiro, sendo, juntamente com o arquipélago de São Pedro e São Paulo, um dos dois primeiros lugares onde acontecem o nascer e o pôr do Sol no Brasil.
  O arquipélago é constituído por duas ilhas principais (Trindade e Martim Vaz), separadas por 48 quilômetros, que somam uma área total de 10,4 km². As ilhas são consideradas, pelos navegadores, como um imenso paredão no meio do Atlântico.
Localização das Ilhas da Trindade e Martim Vaz
  O surgimento da Ilha da Trindade e do Arquipélago de Martim Vaz no meio do Atlântico Sul ocidental, se deu pelo movimento das placas tectônicas que formam a superfície terrestre. A crosta do planeta Terra é formada por várias placas e na junção delas existem zonas de intenso movimento e vulcanismo. Por conta dessa dinâmica, ocorreu uma imensa fratura na placa sul-americana, que se estende de Vitória até cerca de mil quilômetros a leste do Arquipélago de Martim Vaz, chegando a alcançar o limite sul da Bacia do Cuanza, ao largo da costa africana, já no Atlântico Sul oriental.
  Essa fratura no leito oceânico fez com que o magma extravasasse em escala colossal. Para se converter em ilha, precisou emitir magma numa razão de aproximadamente cem quilômetros cúbicos, por um milhão de anos. Foram necessários aproximadamente 10 milhões de anos para atingir a superfície do mar. Diversos pontos dessa fratura liberaram mais magma que outros. Assim, imensas colunas foram galgando o fundo oceânico rumo à superfície. O que encontramos hoje, defronte ao Estado do Espírito Santo, é uma antiga cadeia de grandes vulcões submarinos extintos, submersos a poucas dezenas de metros da superfície do mar, denominada Cadeia Vitória-Trindade. Alguns desses vulcões oceânicos são conhecidos como bancos pesqueiros, sendo muito procurado por embarcações de pesca comercial. Da costa do Espírito Santo, mergulhando em direção à África, encontram-se os bancos Vitória, Eclaireur, Montague, Jaseur, Davis, Dogaressa e Colúmbia.
Vista parcial da Ilha da Trindade
  As bases desses vulcões estão no leito oceânico, em profundidades abissais, entre 3 mil e 5,5 mil metros e a cerca de 1,1 mil quilômetros da costa do Espírito Santo surgem os únicos pontos emersos dessa cadeia de vulcões: pequenos rochedos que formam o Arquipélago de Martim Vaz e a imponente Ilha da Trindade.
  A atividade vulcânica em Trindade perdurou até cerca de 5 mil anos atrás e ocorreu na extremidade oriental da ilha, onde se formou uma cratera de mais de 200 metros de raio. Atualmente resta apenas uma pequena parte do arco dessa cratera.
  Pesquisas recentes dão conta que quatro vulcões formaram Trindade (Vulcão do Vaiado, Vulcão do Desejado, Vulcão do Morro Vermelho e Vulcão do Paredão). Trindade é hoje uma sucessão de colunas e paredes de um imenso edifício vulcânico em ruínas, com uma beleza cênica singular, ao mesmo tempo agressiva e agradável.
Paisagem da Ilha da Trindade
TRINDADE: COBIÇADA DESDE O INÍCIO DAS GRANDES NAVEGAÇÕES
  A história humana na ilha começou juntamente com o início das Grandes Navegações e seu descobrimento é, até hoje, motivo de dúvida. Alguns historiadores creditam o descobrimento de Trindade ao navegador espanhol João da Nova, que viajava a serviço de Portugal e teria descoberto Trindade em março de 1501. Contudo, outros historiadores afirmam que o português Estevão da Gama, durante a segunda viagem de Vasco da Gama às Índias, teria descoberto Trindade em 1502. Nessa ocasião a ilha foi batizada de Ilha da Santíssima Trindade.
Mapa da Ilha da Trindade na obra The Cruise of the Alert, de E. F, Kinight
  Quase dois séculos depois, durante uma expedição para realizar medições magnéticas no Atlântico para o governo inglês, a bordo do navio H. M. S. Panorame, o famoso astrônomo inglês Edmund Halley, teria tomado a ilha, desconsiderando a posse de Portugal. Naquele momento, em abril de 1700, como prática usual entre os navegadores da época, foram soltos diversos animais na ilha, dentre eles várias cabras e porcos, para servir de alimento a possíveis náufragos ou aos ingleses que fossem iniciar a ocupação britânica num futuro próximo. Mais tarde, aquele simples ato desencadearia drásticas alterações na flora da ilha, com consequências extremas na perda do solo e na descaracterização geral da cobertura vegetal.
Rochedo sem cobertura vegetal na Ilha da Trindade
  Oitenta e um anos após a visita de Edmund Halley, a Inglaterra ocupou a ilha com tropas militares. Sabendo da ocupação, Portugal protestou em Londres. Enquanto o assunto tramitava lentamente nos meios diplomáticos, em 1783, o vice-rei do Brasil, Luís de Vasconcelos, enviou 150 pessoas, entre militares e civis, para a ilha, a bordo da nau Nossa Senhora dos Prazeres, sob o comando do Capitão José de Mello Brayner, para de lá expulsar os ingleses. Porém, quando os militares portugueses chegaram, os ingleses já haviam deixado Trindade.
  Depois da retirada inglesa, Portugal resolveu colonizar a ilha, deixando militares e seis casais de açorianos no local. Municiados de sementes e animais, os açorianos promoveram a derrubada do restante da vegetação arbórea da ilha, que havia resistido à voracidade do rebanho de cabras, para dar lugar aos platôs agricultáveis. A madeira retirada da Colubrina glandulosa, árvore confundida com o pau-brasil, era muito apreciada para a confecção de móveis, graças à sua resistência e belíssima cor avermelhada.
Colubrina glandulosa, conhecida como sobragi, sobrasil, saguari, falso-pau-ferro, sabiá-do-mato e socorujuva - árvore mais abundante na Ilha da Trindade antes do desmatamento da ilha.
  Contudo, o isolamento, somado ao insucesso no plantio de milho e o esgotamento do extrativismo da madeira, levou Portugal a retirar os açorianos da ilha, que passou a ser ocupada somente por militares. Tal ocupação perdurou até 1795, quando o novo vice-rei, o Conde de Resende, determinou a desocupação da ilha, que voltou a ficar abandonada.
  Entre 1822 e 1889, a Ilha da Trindade foi dominada por comerciantes de escravos e piratas. Esse fato originou a lenda de que foi enterrado, em algum local da ilha, um grande tesouro, desde o século XVII, por piratas ingleses que teriam interceptado um galeão espanhol com muito ouro e prata roubados da Catedral de Lima, após a independência do Peru. Foram realizadas aproximadamente 12 expedições em busca desse tesouro, incluindo a de E. F. Knight, em 1885, que empreendeu esforços após receber, de um suposto pirata sobrevivente, um mapa com a localização do tesouro.
Localização da Estação Científica da Ilha da Trindade
  Em 1895, a Inglaterra voltou a ocupar Trindade, incorporando-a a seu vasto território de possessões. Depois de uma batalha diplomática, os ingleses resolveram recuar, e em agosto de 1896, retiraram os sinais de sua presença. No ano seguinte, o cruzador brasileiro Benjamin Constant dirigiu-se à ilha para promover uma nova tomada de posse. Na ocasião, foi construído um marco na encosta do morro Pão de Açúcar, com duas placas comemorativas que, infelizmente, não existem mais.
  Anos mais tarde, em 1911, foi instalado um marco de granito na Praia do Andrada, para afirmar a posse brasileira sobre Trindade. Ainda hoje, já desgastado pelo tempo, sol e maresia, ele continua de pé num platô vulcânico acima da Praia do Andrada.
Marco do Andrada - erigido em 1911, marca a posse definitiva da ilha para o Brasil
  Durante a Primeira Guerra Mundial, a ilha serviu de base para guarnições militares e, logo após o término dos conflitos, foi novamente abandonada. Entre os anos de 1924 e 1926, o presidente Artur Bernardes transformou Trindade em presídio político. Estiveram presos na ilha o patrono da Força Aérea Brasileira, o marechal-do-ar Eduardo Gomes, o general Sarmento, o capitão Juarez Távora e o tenente Magessi, entre outros militares insubordinados.
Eduardo Gomes - um dos presos políticos na Ilha da Trindade
  Deflagrada a Segunda Guerra Mundial, a Marinha do Brasil voltou a ocupar Trindade devido a sua privilegiada localização estratégica no Atlântico Sul. A ocupação da marinha durou até 13 de junho de 1945. Em 1950, a ilha foi visitada por uma importante expedição científica, sob a orientação do ministro João Alberto, com a finalidade de planejar a colonização e a construção de uma base aeronaval. Nessa época, o ministro levou consigo uma equipe de notáveis para, também, realizar estudos diversos na ilha.
  Finalmente, em 29 de maio de 1957, a bordo dos navios Almirante Saldanha e Imperial Marinheiro, foi dado início a criação do Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT), como parte do programa de participação do Brasil no Ano Geofísico Internacional. Desde então, a ilha permanece guarnecida pela Marinha do Brasil, que ali mantém um contingente de aproximadamente 40 homens, que se revezam a cada quatro meses.
Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT)
O CLIMA DAS ILHAS
  O clima de Trindade e Martim Vaz é oceânico tropical, amenizado pelos ventos alísios do Leste e do Sudeste. A temperatura média anual é de 25°C, sendo fevereiro o mês mais quente do ano e setembro, o mês mais frio. Quase todos os dias, principalmente no verão, ocorrem chuvas rápidas, que recebem o nome de pirajás. Entre os meses de abril e outubro, a ilha sofre invasões periódicas de frentes frias vindas da Antártica que sobem pela Argentina e pelo Sul do Brasil. Quando chegam à Região Sudeste, desviam para o oceano e atingem Trindade, provocando mudanças abruptas nas condições do mar.
Rochedo de Martim Vaz
  A alta frequência de chuvas se deve à altura de Trindade. Como seu pico sobe 600 metros acima do nível do mar, forma-se um imenso obstáculo para as nuvens carregadas, que precipitam sua carga após chocarem-se com essa enorme muralha. Essas chuvas mantém três grandes fontes de água potável na ilha: uma na Enseada da Cachoeira, a mais abundante, outra na Praia do Príncipe e a terceira na Enseada dos Portugueses, a utilizada pela população da ilha.
  As águas que circundam Trindade e Martim Vaz pertencem à Corrente do Brasil e são caracterizadas pela alta salinidade, pela temperatura morna (27°C) e por alcançar transparências de até 50 metros, o que possibilita mergulhos fantásticos.
Gruta da Ilha da Trindade
A FLORESTA NEBULAR DE SAMAMBAIAS-GIGANTES
  A imponência da ilha e seu isolamento geográfico lhe conferem ar de paraíso intocado, que acaba por encobrir o grave problema da degradação ambiental de séculos de impactos causados pelo homem. Após anos de extrativismo vegetal intenso, tentativas fracassadas de cultivo e séculos de ataque impiedoso do rebanho caprino, a flora de Trindade mudou drasticamente e, com ela, o solo. Por volta de 1700, a floresta cobria quase 80% de toda a área da ilha. em 1965, essa cobertura vegetal já havia sido reduzida a aproximadamente 20% e, atualmente, não chega a cobrir 10%.
  A vegetação de Trindade é pobre em número de espécies. Pesquisas recentes estimaram uma riqueza de aproximadamente 124 espécies botânicas, incluindo as trazidas pelos homens e as cultivadas na horta da Marinha. Dessas espécies, 14 são endêmicas, sendo a samambaia gigante a principal delas.
Vegetação da Ilha da Trindade com a horta da Marinha
  A fauna, assim como a flora de Trindade, desperta interesse extremo nos pesquisadores, pois o isolamento geográfico propiciou a evolução de espécies únicas, endêmicas desse pequeno ponto emerso no meio do Atlântico.
OS CRUSTÁCEOS
  Algumas espécies de crustáceos habitam os recifes e as praias de Trindade, entre elas lagostas e caranguejos. Na zona entremarés, destacam-se o caranguejo-da-arrebentação (Plagusia depressa) e o aratu-vermelho (Grapsus grapsus). Já em terra, o "dono-da-ilha" é o caranguejo-amarelo ou carango (Gecarcinus lagostoma). Essa espécie ainda é muito comum em Trindade e Martim Vaz, apesar da crescente captura para consumo humano entre o pessoal da guarnição militar e os visitantes de Trindade. O carango vive desde a zona entremarés até o Pico do Desejado e se alimenta de enorme gama de itens, de folhas de amendoeiras ou castanheiras a ovos e filhotes das tartarugas-verdes.
Caranguejo-amarelo ou carango - espécie muito comum na Ilha da Trindade
OS PEIXES
  Em pesquisas recentes, foram levantadas aproximadamente 100 espécies de peixes nos recifes de Trindade. A baixa riqueza de espécies, também encontrada em outras ilhas tropicais isoladas do Atlântico, é explicada pela restrição na disponibilidade de ambientes e grau de isolamento.
  A riqueza de espécies é baixa, porém, a abundância de algumas formas é surpreendente. Na proximidade da ilha existem os cardumes colossais  de sardinha (Harengula sp) e purfa (Melichthys niger) que fazem fervilhar as águas que circundam a ilha. Existe também um elevado índice de espécies únicas em Trindade e Martim Vaz. Das aproximadamente 100 espécies levantadas pelos pesquisadores, seis são endêmicas dos recifes que circundam essas ilhas. Dentre essas espécies estão o peixe-donzela de Trindade (Stegastes trindadensis) e a maria-da-toca ou moreia-de-trindade (Scartella poiti). A garoupa-trindade ou garoupa-gostosa (Dermatolepis inermis) é uma das mais belas espécies de peixe recifal que ocorrem em Trindade e Martim Vaz.
Garoupa-Trindade ou garoupa-gostosa
AS TARTARUGAS-MARINHAS
  Três espécies de tartarugas-marinhas vivem nos recifes ou ao largo de Trindade e Martim Vaz. A tartaruga-gigante ou tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea) habita o mar aberto ao largo das ilhas ao longo da cadeia Vitória-Trindade. Além de ser a maior espécie de tartaruga-marinha, também é a mais ameaçada de extinção, pois vem sofrendo declínio populacional, devido ao aumento da poluição dos mares e à captura acidental em espinhel oceânico.
Tartaruga-gigante ou tartaruga-de-couro - uma das espécies da Ilha da Trindade e Martim Vaz
  Outra tartaruga-marinha que frequenta as águas de Trindade e Martim Vaz é a tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata), que faz dos recifes dessas ilhas, bem como dos bancos oceânicos da cadeia Vitória-Trindade, um de seus sítios de alimentação prediletos em águas brasileiras. Essa espécie de tartaruga se alimenta de esponjas.
Tartaruga-de-pente
  A última espécie é a tartaruga-verde (Chelonia mydas), que tem em Trindade seu maior sítio reprodutivo do Atlântico Sul e um dos maiores do mundo. As fêmeas de tartaruga-verde, medindo em média 1,20 metros de comprimento e pesando cerca de 250 quilos, frequentam as praias de Trindade durante a estação reprodutiva, que se prolonga de outubro a maio. Cada fêmea põe em média de 130 a 150 ovos. No total, milhares de ovos são enterrados nas areias, mas por causa da forte depredação por inúmeros animais, como caranguejos, fragatas, polvos e peixes, algumas poucas tartaruguinhas conseguem chegar à fase adulta e reiniciar o ciclo de reprodução em Trindade.
Tartaruga-verde
  O senso de orientação das tartarugas é impressionante. Tartarugas-verdes nascidas em Trindade migram para a costa do Brasil, onde se alimentam de algas. Quando atingem a idade adulta, entre 20 e 25 anos, dispersam-se na imensidão dos mares. Porém, na época reprodutiva, sabem exatamente o momento e o local para acasalar e colocar os seus ovos. Nesse instante, as tartarugas-verdes viajam longas distâncias e retornam às ilhas oceânicas onde nasceram para recomeçar um novo ciclo de descendentes.
Filhote de tartaruga-verde
AS AVES MARINHAS
  As ilhas, de uma forma geral, representam um porto seguro para as aves marinhas. Mesmo aquelas espécies estritamente oceânicas necessitam de um local em terra firme para construir seus ninhos e criar seus filhotes. Trindade e Martim Vaz não são exceções e abrigam cerca de 20 espécies de aves marinhas, migratórias ou residentes, nos seus céus e penhascos.
  Os atobás (Sula dactylatra e Sula sula), as viuvinhas ou grazinas (Anaus stalidus e A. tenuirostris), as noivinhas ou fantasminhas (Gygis alba), os trinta-réis (Sterna fusca ta), as fragatas (Fragata minor e Fragata ariel) e as pardelas ou petréis-de-trindade (Pterodroma arminjaniana) são algumas das mais conhecidas.
Atobá
  Apesar de alguns pesquisadores creditarem a ocorrência do petrel-de-trindade também para a Ilha Round, situada no Oceano Índico meridional, é bastante plausível que ele seja endêmico de Trindade. Aves possuem grande capacidade de dispersão, porém, a distribuição geográfica proposta é muito disjunta, o que leva a crer que essas sejam duas formas distintas e ainda pouco estudadas de petrel.
Petrel-de-trindade
FONTE: Geografia: ensino fundamental e ensino médio: o mar no espaço geográfico brasileiro / coordenação Carlos Frederico Simões Serafim, organização Paulo de Tarso Chaves. - Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2005. 304 p. (Coleção explorando o ensino, v. 8)

terça-feira, 16 de julho de 2013

O MITO DA EXPLOSÃO DEMOGRÁFICA

  Depois da Segunda Guerra Mundial, as taxas de mortalidade começaram a cair nos países subdesenvolvidos. Com quase 50 anos de atraso em relação à Europa, esses países começavam a ter acesso aos novos medicamentos, à vacinação em massa e ao controle sobre doenças epidêmicas, principalmente difteria, tifo e malária.
  As inovações nos campos da prevenção e da cura de doenças epidêmicas ficaram conhecidas como Revolução Médico-Sanitária e se traduziram numa drástica redução da mortalidade: a média anual estimada para o conjunto dos países subdesenvolvidos era de 40% em 1920 e caiu para menos de 8,9% nos primeiros anos do século XXI.
A Revolução Médico-Sanitária foi um dos fatores que contribuíram para a redução do crescimento vegetativo no mundo
  Como a população nos países subdesenvolvidos era numericamente maior do que a europeia, a redução em seus índices de mortalidade traduziu-se em um elevadíssimo pico de crescimento natural: as taxas médias de incremento demográfico foram superiores a 2% ao ano no conjunto dos países subdesenvolvidos, entre 1950 e 1985, e a maior parte deles registrou taxas superiores a 3% na fase aguda da transição demográfica.
  Hoje, a população dos países asiáticos é cerca de 10 vezes maior do que em 1950, e em alguns países da África Subsaariana viram sua população aumentar até 20 vezes na segunda metade do século XX.
  Na década de 1960, em pleno auge do crescimento da população mundial, surgiu o chamado neomalthusianismo, que consistiu na retomada dos prognósticos catastróficos do reverendo inglês.
  O neomalthusianismo é a atualização da Teoria Populacional Malthusiana, criada pelo demógrafo Thomas Malthus.
Thomas Malthus - criador da Teoria Malthusiana, na qual dizia que "enquanto a produção de alimentos crescia em progressão aritmética (1, 2, 3, ...) a população mundial crescia em progressão geométrica (1, 2, 4, 8, ...); assim iria faltar alimentos para grande parte da população.
  Muita gente aderiu à ideia de que o alto crescimento demográfico constituía uma das principais causas da generalização da pobreza em vastas regiões subdesenvolvidas, tanto por exigir investimentos maciços em atividades não produtivas, como a manutenção de creches e escolas, quanto por criar uma relação desfavorável entre o número de pessoas em idade de trabalhar e o total de habitantes. Assim, haveria mais crianças para serem criadas e alimentadas do que adultos em idade produtiva gerando riquezas suficientes para sustentá-las.
  Nesse cenário, o controle da natalidade surgia como a solução ideal. Com isso, surgiram instituições, muitas delas mantidas com o capital de empresas privadas, que financiaram subsídios aos países pobres para implementação de políticas que ajudassem a reduzir suas taxas de natalidade.
Evolução do crescimento da população mundial
  A partir da década de 1970, diversas associações ligadas ao movimento ambientalista ingressaram nas fileiras daqueles que se preocupavam com a chamada "explosão demográfica". Para eles, o crescimento acelerado da população colocaria em risco os ecossistemas tropicais e equatoriais, por exigirem mais área para plantio, habitação etc. Desse modo, o controle da natalidade surgia mais uma vez como elemento salvacionista, que permitia preservar o patrimônio ambiental para as futuras gerações.
  Porém, muito mais do que o crescimento vegetativo dos países pobres, é o padrão de produção e de consumo dos países ricos, justamente aqueles nos quais a população parou de crescer, que mais causa impactos negativos no meio ambiente. Os países desenvolvidos, que abrigam 20% da população mundial, são responsáveis por 80% do consumo de recursos naturais do planeta.
Mapa da transição demográfica no mundo
  Em escala mundial, a modernização da economia e a urbanização têm contribuído para diminuir as taxas de natalidade. Para as populações urbanas de baixa renda, um filho a mais representa gastos extras (principalmente com alimentação), que só começarão a ser compensados quando ele estiver com idade para ingressar no mercado de trabalho. Fenômeno semelhante pode ser observado nas zonas rurais, onde o avanço do trabalho assalariado restringe a participação das crianças no processo produtivo.
A mecanização da agricultura reduziu a população rural, contribuindo, assim, para a diminuição do crescimento vegetativo
CENÁRIOS DEMOGRÁFICOS
  Desde a década de 1970, o acelerado processo de urbanização e modernização da agricultura provocam uma redução rápida e constante das taxas de natalidade nos países da América Latina. Ao mesmo tempo, a incidência da desnutrição apresenta taxa de declínio.
  Na África Subsaariana, a queda da natalidade foi muito pequena entre 1965 e 1980, período em que a mortalidade caía rapidamente. Hoje, já se observam os primeiros sinais de redução no crescimento natural nessa região, embora as taxas de nascimento dos países que a compõem continuem sendo as mais elevadas do planeta. Neles, o processo de modernização das economias, que teve início na década de 1960, logo após a saída dos colonizadores europeus, foi interrompido em virtude da falta de novos investimentos produtivos. A miséria, as catástrofes alimentares periódicas e as elevadas taxas de mortalidade infantil mantiveram a mortalidade em alta e, consequentemente, as famílias conservaram o hábito de ter muitas crianças.
Mapa da fome no mundo
  Na China, país mais populoso do mundo, o controle da natalidade é uma das políticas prioritárias desde o começo da década de 1970. A meta demográfica estabelecida pelo governo é de um único filho por família, na maioria das províncias chinesas. As mulheres têm direito à licença paga para realizar abortos (catorze dias), fazer laqueadura de trompas (dez dias) ou inserir o DIU (três dias). Em muitas regiões da China, o Estado oferece bônus para as famílias que têm o primeiro filho, mas exige que os benefícios sejam restituídos no caso de um segundo nascimento.
  A política demográfica chinesa tem sido a causa de várias tragédias cotidianas na sociedade. Estima-se que, por medo de sofrerem represálias, cerca de 200 milhões de famílias optem por esconder o nascimento de um segundo bebê. O abandono de menores, sobretudo meninas, também ocorre com frequência.
  Outro efeito negativo da "Política do Filho Único" chinesa é a disparidade entre nascimentos de meninos e meninas. Como o casal só pode ter um filho, muitos casais optam por interromper a gestação quando descobrem que estão esperando meninas. Desse modo, para cada 113,8 nascimentos do sexo masculino, ocorrem apenas 100 do sexo feminino.
Cartaz incentivando o filho único na China
  A Índia é outro "gigante demográfico" do planeta. As políticas de controle da natalidade também estão contribuindo para a desigualdade entre os sexos: a população masculina é superior à feminina em 50 milhões.
FONTE: Terra, Lygia. Conexões: estudos de geografia geral e do Brasil / Lygia Terra, Regina Araújo, Raul Borges Guimarães. 1. ed. - São Paulo: Moderna, 2010.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

CULTURA DA AMÉRICA CENTRAL INSULAR

  A América Central Insular é marcada por uma grande mistura cultural. Esse caldeirão cultural é resultado da miscigenação dos vários povos que habitam a ilha, que vão desde os aborígenes (povos nativos) até os colonizadores europeus e os negros africanos, que foram trazidos à força para o continente.
  No Haiti, a vida cultural sempre foi influenciada pela França, porém, a partir do início do século XX, o primeiro país de maioria negra fora da África a se tornar independente, passou a buscar formas culturais nativas. Um dos precursores desse movimento foi George Sykvain, que adaptou fábulas de Jean de La Fontaine para o crioulo, denominando-as de Cric-crac. No Haiti, várias obras literárias se destacam, como a Ainsi parla l'oncle (Assim falou o tio), de La Revue Indigene, que trata um pouco sobre o rico folclore haitiano. Jacques Roumain é outro artista haitiano que exerceu uma forte influência sobre o teatro, a pintura e a literatura.
  A escola haitiana de pintura naif - tipo de arte que é produzida por artistas sem preparação acadêmica na arte que executam - é bastante rica no país. Os principais nomes dessa arte no Haiti são: Rigaud Benoit, Wilson Bigaud, Hector Hippolyte e Philome Obin.
  As cores brilhantes, a perspectiva ingênua e o humor astuto são características da arte haitiana. Os artistas haitianos adoram pintar fábulas, como pessoas disfarçadas de animais e animais disfarçados de pessoas.
  Um dos gêneros musicais presentes no Haiti é a Kompa, que envolve uso de sintetizadores, guitarra, batidas de médio e rápido andamento, e de metais ou saxofone para solos. As canções desse gênero são escritas em crioulo haitiano.
Pintura naif haitiano
  Cuba, é um verdadeiro caldeirão cultural, bastante influenciada pela Espanha e pela África. O esporte é uma paixão nacional, cujo país sempre manteve tradição nas olimpíadas, sendo um dos com maiores número de medalhas. Os esportes mais praticados no país são o basebol, o atletismo, o basquete, o voleibol, o boxe e o críquete.
  Cuba é também um país de longa tradição musical. A música é executada ao som de instrumentos africanos, como o bongo e a conga, onde dançam-se o bembé e o caringa.
  A Rumba é uma dança cubana em compasso binário e ritmo complexo que influenciou e foi incorporado ao Flamenco, caracterizada por um estilo mais suave, descontraído e muito alegre.
  Outra dança bastante peculiar em Cuba é a salsa, que nasceu no país nos anos 1960, e é uma espécie de adaptação do mambo da década de 1950. Salsa em castelhano significa "tempero", cuja adoção do nome transmite e ideia de uma música com "sabor".
Rumba - dança cubana em compasso binário e ritmo complexo
  Em Bahamas, a cultura é um cruzamento de formas africanas, europeias e indígenas. A principal manifestação cultural do país é uma forma rítmica de música chamada junkanoo.
  Na Jamaica, a cultura é caracterizada pelo sincretismo, resultante da mistura dos povos que habitam a ilha desde os primórdios da sua colonização pelos espanhóis. Aos nativos aruaques juntaram-se os latinos espanhóis, os negros africanos, os ingleses, além dos imigrantes que para lá se transferiram após a abolição do regime escravista. Dentre os imigrantes jamaicanos, os hindus são os mais notáveis pela influência que exerceram sobre vários aspectos do comportamento local, em especial, da questão religiosa. A religião desperta um profundo interesse na comunidade jamaicana, essencialmente mística, apesar de ser majoritariamente anglicana. O anglicanismo da ilha, uma influência da colonização britânica, não foi suficiente para evitar a miscigenação das ideias e da teologia do jamaicano, que abriga tradições que vão do cristianismo aos rituais tradicionais africanos, como o Vodu.
Igreja anglicana em Spanish Town - Jamaica
  Religião e música são os elementos culturais mais emblemáticos da Jamaica. O país é o berço do Rastafarianismo e do Reggae-music, duas expressões de subjetividade identitária que são intimamente ligadas. No reggae, se destaca o jamaicano Bob Marley (1945-1981). A religião rastafari representa uma reação original local contra os padrões de espiritualidade impostos pela religião europeia. A população negra da Jamaica é descendente de levas de escravos que foram aprisionados em diferentes regiões da África. A maioria pertencia a culturas refinadas do norte do continente que floresceram em países como o Sudão, Somália e Etiópia. As populações negras dessas regiões tinham contato com crenças variadas, como o judaismo, o islamismo e o cristianismo ortodoxo, que falavam línguas exóticas como o árabe e o aramaico.
Bob Marley
  As diferentes linhas de pensamento que aparecem nas Congregações rastafari se inclinam para o cristianismo ortodoxo, adotando mandamentos do Antigo Testamento e costumes islâmicos e hindus. Os dread ou tranças-mechas dos rastafari são idênticos aos cabelos dos saddhus indianos, bem como a ideia do uso da marijuana com finalidades rituais. Algumas congregações prescrevem condutas e indumentárias femininas de inspiração muçulmana e as "liturgias" ou encontros místicos, incluem performances com tambores que resgatam ritmos africanos. A percurssão está na raiz da criação do gênero da música denominado reggae-raiz, que combina a cadência hipnótica dos tambores com harmonias simples e arranjos que utilizam guitarras e outros instrumentos com sonoridades do blues e do rock americano.
  Além da música e da religião, a cena cultural da Jamaica se completa com a coexistência harmônica de produtos industriais com artesanais. Roupas e acessórios coloridos, além de objetos de arte em madeira são combinados com o plástico e com o alumínio da pós-modernidade.
Cabelos com tranças e compridos e roupas coloridas são as marcas do povo jamaicano
  No Caribe, o cenário de inspiração de diversas obras literárias e películas estão relacionadas com pirataria e fantasia, gênero onde se destacam atores como Daniel Defoe e Robert Louis Stevenso. Entre as películas de ficção caracterizadas geograficamente nas ilhas do Caribe estão a série de filmes Piratas do Caribe e algumas de James Bond.
  A vida e os costumes dos habitantes do Caribe também tem sido representadas em obras literárias de autores como o novelista cubano Alejo Carpentier, o dominicano Juan Bosch, o santaluciano Derek Walcott e o colombiano Gabriel Garcia Marquez, entre outros.
  A região do Caribe é o berço de diversos ritmos musicais como: o reggae e o ska, provenientes da Jamaica; o merengue e a bachata da República Dominicana; o calipso, de Trinidad e Tobago; o reggaeton, que teve suas origens em Porto Rico e Panamá; o son cubano e o son montuno, de Cuba; a cúmbia, o porro e o vallenato da costa caribenha da Colômbia; entre tantos outros.
Região do Caribe
  No Caribe, fala-se uma grande variedade de dialetos devido a diversidade de origens da sua cultura, destacando-se o espanhol (México, Cuba, República Dominicana, Porto Rico e região costeira do Caribe na América Central Continental e do Sul), o inglês, (Jamaica, Ilhas Virgens, Bahamas, Antígua e Barbuda, Dominica, Granada, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas, Santa Lúcia, Trinidad e Tobago, Barbados, Ilhas Caiman, Anguilla, Bermudas, Ilhas Turcks e Caicos, Montserrat), o crioulo, no Haiti, o francês (Haiti, Guadalupe, Martinica, San Martim, San Bartolomeu), o holandês (Bonaire, Curaçao, San Martim e Aruba).
  Entre as religiões praticadas no Caribe, destacam-se: o catolicismo (República Dominicana, Porto Rico, Jamaica, Antígua e Barbuda, Santa Lúcia, Ilhas Caiman, Dominica, Antilhas Holandesas), o protestantismo (Barbados), o hinduismo (Trinidad e Tobago), o anglicanismo (Montserrat, São Vicente e Granadinas), o santeria (Cuba), o vodu (Haiti), o rastafarianismo (Jamaica).
Havana - capital de Cuba

FONTE: Araújo, Regina. Observatório de geografia: 8° ano: fronteiras e nações / Regina Araújo, Ângela Corrêa da Silva, Raul Borges Guimarães. - São Paulo: Moderna, 2009.

terça-feira, 9 de julho de 2013

A CONFERÊNCIA SOBRE O MAR

  A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), frequentemente referida em inglês como UNCLOS (United Nations Convention on the Law of the Sea), é um tratado multilateral celebrado pelos participantes da ONU em Montego Bay, Jamaica, em 10 de dezembro de 1982, que define e codifica conceitos herdados do direito internacional costumeiro referentes a assuntos marítimos, como mar territorial, zona econômica exclusiva, plataforma continental entre outros, e estabelece princípios gerais da exploração dos recursos naturais do mar, como os recursos vivos, os do solo e os do subsolo. A Convenção também criou o Tribunal Internacional do Direito do Mar, cujo objetivo é julgar as controvérsias relativas à interpretação e aplicação daquele tratado.
  O texto do tratado foi aprovado durante a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que se reuniu pela primeira vez em Nova York em dezembro de 1973, convocada pela Resolução Nº 3067 da Assembleia Geral da ONU, de 16 de novembro do mesmo ano.
Países signatários da Convenção
  Ratificaram
  Assinaram, mas ainda não ratificaram
  O primeiro grande encontro internacional para discutir os oceanos ocorreu em 1930. Os participantes da reunião concordavam que o oceano é uma herança comum da humanidade, mas desejavam extrair alimentos e recursos minerais de suas águas territoriais. Até então, os países costeiros tinham direito três milhas marítimas (5,5 quilômetros) a partir da costa litorânea.
  O avanço tecnológico passou a permitir a exploração de águas cada vez mais distantes dos litorais, o que desencadeou uma série de conflitos de interesses entre os países. Para tratar desse assunto foram realizadas diversas conferências das Nações Unidas sobre o Direito ao Mar.
  A Conferência realizada em Montego Bay, na Jamaica, foi a principal dessas conferências, tendo começado em 1973 e só foi terminada em 1982. Nela foram delimitadas zonas diferenciadas pelo tipo de uso e de exploração econômica.
Conceitos estabelecidos pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar
  A faixa definida como mar territorial é uma zona de 12 milhas (22,2 quilômetros) a partir da costa litorânea na qual o uso e a exploração dos recursos são exclusivos do país costeiro que a possui. Nessa zona, que é uma continuidade administrativa do território dos países, há limitações para a prática de navegação, pesca e extração de petróleo, as quais só podem ser efetuadas com autorização do governo que a controla.
  Também foi delimitada a zona econômica exclusiva, faixa oceânica de 188 milhas náuticas a partir do limite do mar territorial. Nela, o país detém a exclusividade na exploração da pesca e dos recursos energéticos, porém, não pode impedir a navegação internacional. As 200 milhas (370 quilômetros) do mar brasileiro, correspondem à soma das duas faixas.
Zona Econômica Exclusiva do Brasil
  Por fim, definiu-se o alto-mar, que são as águas que estão além de 200 milhas da costa. Nessas águas, a exploração dos recursos marinhos e a pesquisa científica podem ser realizadas sem a autorização dos governos.
  O fundo do mar encontrado além dos limites das jurisdições nacionais, apesar do interesse despertado por sua riqueza e potencialidades para a exploração mineral, foi considerado patrimônio comum da humanidade e, portanto, área de preservação permanente.
  A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, também é responsável por regular a pesca em alto-mar e outros tratados específicos, como os relativos aos atuns (Convenção Internacional para a Preservação do Atum Atlântico) ou às baleias (Convenção Internacional para a Regulamentação da Pesca da Baleia - CIRAB). A Convenção determina ainda que os Estados-membros cooperem para a conservação e a boa gestão dos recursos vivos em alto-mar.
Países signatários da CIRAB
FONTE: Araújo, Regina. Observatório de geografia / Regina Araújo, Ângela Corrêa da Silva, Raul Borges Guimarães. - 1. ed. - São Paulo: Moderna, 2009.

domingo, 7 de julho de 2013

O FEUDALISMO

  O feudalismo tem início com as invasões germânicas (mais conhecidas como invasões bárbaras), no século V, sobre o Império Romano do Ocidente.
  Restrito ao continente europeu, o feudalismo assumiu diversas formas durante a Idade Média. Essa estrutura socioeconômica foi produto da relação entre elementos do Império Romano e das sociedades germânicas.
  Como características básicas dessa estrutura, estão: a economia agrária e de subsistência; poder político fragmentado, descentralizado, nas mãos dos senhores feudais; sociedade de ordens, fortemente hierarquizada; hegemonia ideológica e cultural da Igreja Católica.
Império Romano
AS ORIGENS ROMANAS E GERMÂNICAS DO FEUDALISMO
  No lento processo de gestação do feudalismo, iniciado no século III, com a desestruturação do Império Romano, para impedir a movimentação dos camponeses foi instituído legalmente o sistema de colonato, no qual o colono era obrigado  a se fixar na terra, sob a tutela do proprietário. Essa relação de trabalho permanecia durante o feudalismo, dando origem à servidão.
  As grandes propriedades rurais - chamadas de villas - também colaboraram para a formação dessa estrutura. Com a decadência das atividades urbanas e as penetrações bárbaras, as villas tornaram-se o centro da vida econômica e o refúgio dos camponeses, que tentavam se proteger dos bárbaros. Desse modo, o império adquiriu uma estrutura rural e as decisões políticas passaram a ser tomadas pelos poderes locais.
Desenho esquemático de um feudo
  Alguns costumes dos povos germânicos - o comitatus, a economia rural e o direito consuetudinário - encontram-se na base da formação do feudalismo.
  O comitatus definia as relações de lealdade entre os guerreiros e os chefes de tribos. Em troca dos serviços militares, os guerreiros recebiam terras dos seus chefes e tinham autonomia para administrá-las. Na sociedade romana também existia a relação de dependência pessoal dos clientes e a concessão precária de terras por meio do benefício. Assim, da convivência dessas instituições, germânicas e romanas, surgiu a relação de suserania e vassalagem.
Esquema de como funcionava a sociedade feudal
  Suserania era o termo empregado para distinguir um nobre que doava algum bem (normalmente terras, mas podia ser a concessão de impostos sobre uma ponte, o uso de equipamentos agrícolas, o uso de uma fonte d'água, etc.) a outro nobre. Nessa relação, suserano é quem doa o bem e quem o recebe é denominado de vassalo. Em troca do benefício doado pelo suserano, o vassalo lhe faz um juramento de fidelidade, devendo-lhe prestar diversos serviços, como lutar no exército do suserano quando for convocado, ajudar seu suserano economicamente quando este precisar etc. Também um suserano pode se tornar vassalo de outro nobre se dele receber algo; da mesma forma, um vassalo pode se tornar um suserano se doar algo a outro nobre.
Deveres do suserano e do vassalo
  Os povos germânicos praticavam a agricultura e o pastoreio, fato que acentuou o processo de ruralização da economia europeia.
  O sistema de leis do feudalismo baseou-se no direito consuetudinário, ou seja, as leis tradicionais herdadas de antepassados e transmitidas oralmente.
A ECONOMIA FEUDAL
  A partir do século IX, a Europa já estava ruralizada. Os novos deslocamentos bárbaros (vikings, magiares) e a expansão dos árabes na península Ibérica contribuíram para que a situação política e econômica se tornasse muito instável.
  O desdobramento dessa situação foi a redução das atividades comerciais e a organização de defesas locais mediante a formação de exércitos particulares e fortificação dos castelos. Nesses universos fechados e localizados, conviveriam senhores e camponeses, produzindo seus próprios meios de sobrevivência.
Esquema de trabalho no feudalismo
  A grande propriedade rural, tendia para a autossuficiência, uma vez que produzia quase tudo de que necessitava. O que faltava era obtido nas feiras, nas aldeias e em outros feudos por meio de trocas.
  Nos feudos, a terra era dividida da seguinte maneira:
  • manso senhorial (terras do senhor), onde se localizava o castelo; a produção dessas terras pertencia ao senhor;
  • manso servil, dividido em lotes (tenências) entre os camponeses, que daí retiravam seu sustento;
  • manso comunal, composto por pastagens, bosques, florestas; era utilizado pelo senhor e pelos seus servos.
Divisão de um feudo
  A produção baseava-se no sistema trienal, uma forma de explorar a terra por meio do revezamento de três campos divididos em faixas, para evitar seu esgotamento.
POLÍTICA E SOCIEDADE
  Durante o feudalismo, o poder do Estado era quase inexistente, e o rei mantinha um poder apenas nominal. Isso se deu principalmente em razão da lenta fragmentação do poder político centralizado, desde a decadência do Império Romano, o que reforçou os poderes locais e as relações pessoais de vassalagem, originadas nas tradições romanas e germânicas.
  As relações de suserania e vassalagem reproduziam-se sucessivamente entre os nobres, formando uma extensa rede, na qual a maioria dos nobres era ao mesmo tempo suserano de uns e vassalos de outros.
Sociedade feudal
  A posse da terra era o elemento que definia a divisão da sociedade. A partir dessa definição pode-se considerar a existência de duas classes fundamentais: os senhores feudais, proprietários, que poderiam ser leigos ou eclesiásticos; e os não-proprietários, isto é, os servos (a maioria da população). Por não haver mobilidade entre esses dois grupos sociais, pois a condição era dada por hereditariedade (filho de nobre era nobre, filho de servo era servo), cada segmento tinha uma situação jurídica e social própria e inalterável, tornando a sociedade fortemente estratificada.
  A relação entre essas classes baseava-se na exploração do trabalho do servo. Era assim que o senhor feudal se mantinha como elite. O servo era o trabalhador rural, que, sem a propriedade da terra e desamparado de qualquer defesa militar ou jurídica, buscava a proteção do nobre. Embora esse vínculo entre o servo e senhor ocorresse de forma obrigatória, o camponês não podia ser vendido como mão de obra nem ser expulso da terra, muito menos ser escravizado.
O trabalho dos servos sustentava os senhores feudais
  Em troca das terras concedidas pelos senhores (tenências) e da proteção militar, os servos deviam uma série de obrigações como:
  • Corveia - esta obrigação correspondia ao pagamento, através de serviços prestados nas terras ou instalações do senhor feudal. De três a quatro dias por semana, o servo era obrigado a cumprir com diversos trabalhos, como a manutenção do castelo, construir um muro, limpar o fosso do castelo, limpar o moinho, entre outros. Podia também realizar trabalhos de plantio e colheita no manso senhorial (parte das terras do feudo de uso exclusivo do senhor feudal).
  • Talha - era uma obrigação pela qual o servo deveria passar para o senhor feudal, metade de tudo que produzia nas terras que ocupava no feudo. Se produzisse 40 quilos de batata, 20 quilos deveria ser separados para o senhor feudal.
  • Banalidades - esta obrigação correspondia ao pagamento de taxas pela utilização das instalações do castelo, como o uso de moinho, forno, celeiros e outras instalações do feudo.
  Além da corveia, da talha e das banalidades, havia outras obrigações que os servos deveriam pagar, como:
  • Mão-morta - era uma espécie de taxa que o servo devia pagar ao senhor feudal para permanecer no feudo quando o pai morria.
  • O Tostão de Pedro - era 10% da produção que o servo devia pagar à Igreja de sua região.
Os servos eram verdadeiros escravos dos senhores feudais
  Mas não havia apenas servos trabalhando; havia ainda trabalhadores livres (vilões ou moradores da villa) e, em algumas partes da Europa Oriental, escravos. O fato, porém, é que a mão de obra predominante na Idade Média era a servil.
  Responsável pela construção do retrato que a sociedade medieval deveria ter de si mesma, a Igreja Católica defendia a ideia de que existia uma ordem das pessoas na sociedade, criada por Deus, natural e necessária. Na Idade Média havia ordens sociais determinadas pela vontade divina: os oratores, os bellatores e os laboratores. Os bellatores, ou aqueles que combatem, isto é, os guerreiros, eram os que mais se destacavam. Tratava-se dos cavaleiros, que se tornaram símbolo da cultura e da sociedade feudal. A participação nas guerras  e disputas constituía privilégio desse segmento social.
As três ordens sociais do feudalismo
  Os cavaleiros tinham basicamente duas origens sociais: a linhagem nobre e outra mais humilde; os indivíduos eram armados e sustentados por um senhor mais poderoso, que também lhes cedia um pedaço de terra. Com o tempo, os cavaleiros se apossavam da terra e exerciam o poder político e o domínio sobre os camponeses, aumentando ainda mais seu prestígio. Enfim, estabeleciam-se entre eles as relações de suserania e vassalagem.
  No século XII, com as Cruzadas, a imagem do cavaleiro e a ética da cavalaria foram exaltadas. O crescimento de seu prestígio durante esse século colaborou para a construção da imagem mística e romântica dos cavaleiros medievais.
Cavaleiros medievais - símbolo de poder e prestígio na Idade Média
FONTE: Moraes, Geraldo Vinci de, 1960 - História geral e do Brasil: volume único / José Geraldo Vinci de Moraes. - 2. ed. - São Paulo: Atual, 2005. - (Coleção Ensino Médio Atual)

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